24 Mai Segredos do Dão
A principal característica da viticultura portuguesa consiste na enorme variedade de castas das suas regiões vitivinícolas. A região demarcada dos vinhos do Dão não é exceção. O encepamento regional no passado recente concentrava o impressionante número de aproximadamente cinco dezenas de variedades, uma verdadeira dádiva da natureza. Tal variabilidade permitia a adaptação das colheitas às instabilidades climáticas da região e consequentemente às distintas maleitas daí consequentes.
Com a modernização dos processos produtivos das últimas décadas a tendência assentou na utilização de um reduzido número de castas com bastantes resultados a nível produtivo no que concerne à quantidade e qualidade dos vinhos produzidos mas também, por vezes, também com consequências nefastas. Contudo, o Dão, apesar de diminuir consideravelmente o número de castas nas suas vinhas, fez um notável trabalho na resistência à invasão das castas internacionais, algumas com elevadíssima qualidade mas que iriam sem dúvida descaracterizar os nossos vinhos e acabar com a fantástica herança genética que temos.
Atualmente uma das principais premissas dos mercados é não suportarem grande variabilidade de oferta de produto. Há assim que sistematizar e dar primazia às castas piloto de cada região. No caso do Dão as duas principais castas tintas são:
Touriga Nacional
A Touriga Nacional, autóctone do Dão, casta tinta, antes denominada de Tourigo / Preto Mortágua, adotou o seu nome atual da sinonímia do Douro. No futuro próximo será decerto considerada como uma casta internacional pois já se encontra em produção na África do Sul, Austrália, Califórnia, Brasil e claro na nossa vizinha Espanha. Está é sem dúvida uma casta de máximo valor enológico, atingindo o seu pico qualitativo em áreas geográficas quentes dando origem a elevadíssima intensidade cromática e aromática. É assim uma casta que origina vinhos bastante complexos.
A rega gota-a-gota anula a reduzida qualidade no caso de insuficiente disponibilidade hídrica. Os vinhos de Touriga Nacional apresentam qualidade muito elevada e oferecem um aroma a frutos silvestres vermelho escuros/pretos muito maduros e algumas notas florais de perfume doce presentes também nas flores de violeta e na esteva. A tonalidade do vinho enquanto jovem assume-se violácea e muito concentrada (retinta);
Alfrocheiro
O Alfrocheiro é outra casta de muito elevado interesse. É provavelmente autóctone da Península Ibérica. Surge no Dão, região de maior expansão, após a praga da filoxera (a partir do último quartel do séc. XIX). Por análise molecular sabe-se que existe em Espanha com outras denominações. É uma casta sensível ao escaldão. Frequentemente apresenta segunda floração o que origina cachos imaturos na fase final da maturação. Deve-se evitar a sobrematuração devido ao engelhamento do bago o que reduz consideravelmente a produção.
Os vinhos de Alfrocheiro Preto apresentam uma cor granada intensa com reflexos violáceos, um aroma frutado forte. Um sabor delicado com taninos macios e acidez equilibrada;
As duas principais castas brancas do Dão são:
O Encruzado, à semelhança da Touriga Nacional é também ela uma casta autóctone do Dão. Apresenta características morfológicas únicas. Em condições adequadas produz vinhos da melhor categoria, surpreendentemente elegantes e complexos nos aromas com notas vegetais de pimentas verdes, florais de violetas e rosas, frutadas de limão e minerais de pederneira (Sílex pirómaco).
A Malvasia Fina, de origem antiga e desconhecida, assume-se europeia e com enorme tradição. Dá origem a vinhos muito elegantes, finos, com reduzida intensidade e complexidade no aroma e no gosto. Apresentam um bouquet extraordinário com notas de mel e noz-moscada, conseguindo apenas obterem-se em condições ambientais ótimas.
As quatro castas referidas são uma ínfima parte do nosso tesouro genético vitícola providenciado pela Natureza e trabalhado pelo Homem. Se soubermos olhar para o nosso território constatamos o quanto afortunados somos! Ao nosso Dão!
Luís Miguel Oliveira, Geógrafo e Enólogo